O Alfaiate e a Costureira

10-02-2011 18:41

Em dias de Mercado as duas vizinhas encontravam-se quase sempre. A mais idosa ia em passo apressado, queria comprar as melhores frutas e os legumes mais frescos. 

A mais nova, pouco mais nova seria pois quem as visse juntas eram apenas duas velhas senhoras, ataviada de sacos parou para descansar os braços e, barrando o caminho à vizinha, disse-lhe de chofre 

- Sabes o que ouvi dizer no outro dia? 

E no mesmo fôlego começou a contar as novidades lá do bairro 

- Imagina tu que no outro dia aquela fulana que mora dois prédios abaixo do meu, no 3º andar, sabes quem é, aquela que anda sempre com ares de grande senhora mas cá para nós ela não tem onde cair morta. 

- Sei perfeitamente quem é, ainda ontem passou por mim com o nariz todo empinado e nem sequer as boas tardes me deu... É ela e aquela outra mulher que anda lá sempre metida em casa. Sempre gostava de saber que tanto têm para conversar. Se calhar passam os dias a falar mal de toda a gente. 

- Sim, retorquiu a mais nova, essas conhecem-se bem ao longe, mas Deus me livre se eu sou de me meter na vida dos outros, já me bastam os meus problemas de saúde para ainda andar em casa deste e desta só para falar mal da vida dos outros. 

- Como te estava a dizer, vieram-me contar que lá em casa as coisas não andam nada bem... 

- Ainda vai dar em divórcio, interrompeu a mais velha. Eu cá casei para toda a vida. Deus tenha em paz o meu defunto marido! 

- Tás sempre a interromper-me e não tarda chega o meu marido para almoçar e ainda aqui estamos na conversa e sabes bem que ele gosta de comer a horas. É verdade o que dizes, aquilo vai mesmo dar em divórcio, parece que ela bate nele, coitado do homem... Lá porque temos um azar na vida... 

Do outro lado da estrada, à porta da tasca lá do bairro, dois amigos de longa data conversavam enquanto fumavam um cigarro, alheios aos comentários das velhas senhoras. 

Olhando insistentemente para o relógio, a mais idosa via o tempo passar e ela ainda ali a conversar com a amiga e vizinha; 

- Como é que a fulana foi capaz de dizer aquelas coisas acerca do coitado. Mas se queres que te diga, a culpa é toda dela! Olha para ele, sempre à porta do café, cigarro na boca... Como é que ele assim pode sustentar a casa? 

- Cá para mim, disse a mais nova, ela só teve aquilo que merece! Olha amiga tenho de ir andando porque não tarda o António chega! 

Lá se despediram com o já costumeiro "até logo, gostei de te ver, pareces mais nova cada dia que passa" e cada uma seguiu o seu caminho falando entre dentes - o raio da velha anda sempre a coscuvilhar a vida dos outros. Se ela olhasse para ela, velha ridícula! 

Os dois amigos continuavam em amena cavaqueira falando acerca do jogo que deu ontem na televisão. Falando de futebol claro está que o tema principal foi a péssima arbitragem - Aqueles ladrões acabam sempre por arranjar maneira de fazer com que a gente perca. assim não vamos conseguir ficar nem em quinto lugar, exclamou já exaltado o José, homem de cabeleira farta e com uma barriga a condizer! 

Conversa puxa conversa e os amigos comentavam irritados as atitudes das respectivas mulheres. 

- Porque é que sempre que dá futebol na televisão a minha mulher implica com tudo e com nada, lamenta-se o José. Ou porque é que eu não troquei a lâmpada da casa de banho, ou porque é que eu deixo sempre a roupa espalhada, ou porque é que ... E depois põe-se mesmo à minha frente. Até parece que faz de propósito para eu não ver o jogo! 

O amigo logo ripostou:

- Tens toda a razão! Antes do Casamento a minha mulher era a coisa mais doce do mundo, sempre prestável. Qualquer coisa servia de pretexto para me presentear com mimos. Hoje, passados dez anos, ou é por causa dos miúdos ou é por falta de dinheiro ou é por ... 

Assim foi decorrendo a conversa, ora sobre futebol ora sobre as "chatas" das mulheres de ambos que para além de tudo o resto andavam sempre metidas na casa uma da outra. 

- Por falar em mulheres, disse o Joaquim, um homem franzino já quase todo careca. Aquelas duas beatas de sacristia devem estar a "ratar" acerca da vida de alguém. Vê só como sorriem e olham à volta não vá alguém ouvi-las. 

- Passam o tempo todo à janela, disse o José, ou a escutar as conversas dos outros... Pobre do António que tem de viver com uma mulher daquelas. Bem fez o Jacinto em emigrar para o Brasil e deixá-la para trás. 

- Aí é que falaste verdade. Foi ele a emigrar e ela logo pôs luto e diz a toda a gente que ele morreu! 

Olha no outro dia ouvi aqui na tasca dizerem que o António mal chega a casa a velha começa logo a refilar. "Isto é que são horas, vens sempre atrasado e eu aqui à tua espera para comer. Pelo cheiro que trazes passaste pela tasca não foi? Tu e esses teus amigos que só sabem encher-se de vinho e de cerveja! E eu para aqui a ter de tratar de tudo sozinha mas se julgas que sou tua criada estás bem enganado!" 

E assim foi decorrendo a conversa entre os dois homens, congratulando-se que as suas mulheres estavam bem ensinadas e andavam sempre na linha. Verdadeiras esposas, tal como devia ser! 

As velhas alcoviteiras seguiram o seu caminho, de volta aos seus afazeres. Ambas partilhavam um pensamento semelhante - aquela velha toda empertigada não sabe fazer mais nada a não ser falar mal de vida de toda a gente. Tem sempre uma crítica a fazer... 

Um pouco mais à frente, ambas encontraram outras vizinhas lá do bairro e em jeito de cumprimento disseram às amigas

- Tu nem imaginas o que aquela velha que ali vai e que passa o tempo todo à janela preocupada com a vida dos outros me contou! 

Do outro lado da rua, o José e o Joaquim, já cansados de ouvir as coscuvilhices um do outro, despediram-se e foram cada um para seu lado, procurando encontrar alguém que não passe a vida a falar mal dos outros. 

Em todos nós existe um pouco de ALFAIATE ou de COSTUREIRA

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